Ibovespa perde destaque global – Valor 26 de agosto de 2019
Waldir Serafim, da Navi: há otimismo para a bolsa, mas também há cautela. A piora no ambiente internacional deixou o Ibovespa com um dos piores desempenhos na comparação com bolsas de 16 economias desenvolvidas e emergentes em agosto. Até o começo do mês, o índice de ações brasileiro havia conseguido manter a resiliência e a liderança na rentabilidade, mas as coisas mudaram: com a onda de aversão a risco lá fora, a busca por segurança derrubou o indicador.
Segundo especialistas, o fato de o desempenho do Ibovespa se destacar em 2019, até o começo do mês, fez com que estivesse mais exposto a ajustes ao risco global. De acordo com gestores, a bolsa brasileira ainda é um dos mercados de melhor fundamento e com boa atratividade, devido ao juro baixo e à expectativa de retomada do crescimento. Só que uma piora do cenário externo, se persistir, acabará por limitar seu desempenho. O Brasil não tem condições de ficar blindado contra a continuidade da busca global por proteção.
No mês, o Ibovespa cai 4,07%, baixa equivalente a 11,6% quando o índice é convertido em dólar. Só as bolsas da África do Sul (-11,9%) e da Argentina (-49,8%) têm desempenhos piores na moeda americana.
De um lado, os fundos institucionais locais e pessoas físicas já colocaram na bolsa R$ 18,7 bilhões e R$ 9 bilhões, respectivamente, no ano até o dia 21 de agosto. Os estrangeiros, na outra ponta, continuam vendendo ações mais do que comprando: a saída líquida já é de R$ 21 bilhões nesse intervalo.
“A história de Brasil, com a agenda de reformas e privatizações e com juro baixo, ainda é muito boa, mas estamos muito preocupados com o exterior”, diz um profissional de uma grande gestora independente, que prefere não ser identificado e que admite estar revisando, na casa, as posições de mercado. “A tensão entre China e EUA não tem solução fácil.”
Segundo esse gestor, o ambiente global pior nesse momento atinge o Brasil porque acerta em cheio os preços das commodities, cruciais para o desempenho de grandes papéis em bolsa, como nos setores de mineração, siderurgia, celulose e petróleo. Assim, sobram os setores ligados ao cenário doméstico, que ainda apresentam bom potencial de retorno.
“Mas, com a pressão de companhias grandes, podemos ver o desempenho [do Ibovespa] piorar, sim”, afirma o gestor. “O Brasil poderá ter performance superior aos pares emergentes, mas, no resultado absoluto, é difícil assumir que vamos segurar a alta.”
Na Navi Capital, a visão também é de certo otimismo com o Brasil, mas sem descuidar do ambiente internacional. Para Waldir Serafim, sócio da Navi, o país viu uma “mudança estrutural” em relação à situação das contas públicas, uma condição bem diferente de outros países. “Há sustentabilidade de juro baixo no Brasil, mas não é algo de curto prazo. São aspectos transformadores no longo prazo, precisa ter mais paciência.”
Serafim também pondera que, apesar da escalada de tensões entre Pequim e Washington recentemente, o cenário-base é de maior aversão ao risco, mas não de recessão. “Recessão é uma palavra forte. Tentamos fazer uma defesa do portfólio, ficar menos exposto a empresas cíclicas globais, como Vale e Petrobras, mas estamos otimistas com algumas empresas de ciclo de consumo local.”
A piora no ambiente internacional pode até não apagar os fundamentos melhores do Brasil, mas fez com que a Truxt Investimentos zerasse a sua exposição à renda variável, no Brasil e nos Estados Unidos, em um dos fundos multimercado da casa, o Truxt Macro. A decisão não vale para outros fundos, mas foi tomada como forma de redução do risco na carteira.
Rafael Vasconcellos, gestor do fundo Truxt Macro, afirma que o Brasil ainda tem condições de ter uma performance acima de outros mercados no longo prazo, dado o contexto de juros e inflação controlados e de uma reforma da Previdência “praticamente aprovada”. “Mas, nesse ambiente de piora lá fora, a volatilidade atrapalha a posição direcional. O cenário pede mais proteção, então estamos aplicados em ouro, no juro longo americano [Treasury de dez anos] e juros no México e no Brasil, porque deve haver mais afrouxamento monetário nessas economias.”
A onda de vendas no exterior é um movimento que atingiu toda a classe de investimentos em mercados emergentes, considerados mais arriscados e mais frágeis contra a instabilidade global. No caso do Brasil, temas como a Amazônia entram como fator adicional para piorar ainda mais a visão que o mundo tem do país – um tipo de evento que atrapalha a já difícil posição do país perante os estrangeiros. A opinião é de Bernard Tamler, economista internacional da GAP Asset Management. A posição em bolsa não foi revisada ainda, mas Tamler afirma que essa exposição “é pequena e continua pequena”.
“Enquanto estamos numa rota de equalização das contas públicas, outros países enfrentam uma rota de crise financeira. O ambiente lá fora é caótico, mas o Brasil tem uma posição hoje mais estratégica para enfrentar a turbulência sem ser totalmente engolido por ela”, afirma Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de renda variável do BTG Pactual digital, onde a estimativa para o Ibovespa no fim do ano ainda é de 120 mil pontos.